A situação ambiental relacionada à pesca vivenciada no cenário atual brasileiro está cada vez mais caótica, e as perdas socioambientais causadas pelo mau uso dos recursos aquáticos não podem sequer ser compreendidas precisamente. Esse é o alerta que Fabio Di Dario e Michael Maia Mincarone, pesquisadores do NUPEM/UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Conservação (PPG-CiAC), UFRJ-Macaé, fizeram em artigos publicados recentemente, junto a outros pesquisadores brasileiros e do exterior.
Em uma carta publicada na revista Science em março desse ano ("A better way forward for Brazil's fisheries", Science 6226: 1079), o grupo de pesquisadores relatou, com muita preocupação, as ações majoritariamente engendradas por parte do setor pesqueiro industrial que culminaram com a revogação da Nova Lista Nacional de Espécies Aquáticas Ameaçadas do Brasil (Portaria 445/MMA, 2014). Em termos práticos, a revogação dessa lista fez com que 475 espécies aquáticas identificadas como possuindo um elevado risco de extinção ficassem completamente desprotegidas, com exceção daquelas poucas tratadas em legislações específicas (como é o caso do Mero, Epinephelus itajara, por exemplo), ou com ações de proteção previstas em Listas Estaduais de Espécies Ameaçadas, existentes em apenas alguns Estados brasileiros. Um artigo que revela a mesma preocupação do grupo de pesquisadores, e que também apresenta um histórico do processo de avaliação do estado de conservação da fauna brasileira, foi subsequentemente publicado na revista "Ciência e Cultura" ("Conservar a fauna aquática para garantir a produção pesqueira", Ciência e Cultura 67: 56-59).
O Mero, Epinephelus itajara, uma espécie brasileira ameaçada de extinção. Foto de Patricia Mancini (MZUSP).
Em outra carta, publicada em 27 de novembro de 2015 ("Brazilian aquatic biodiversity in peril",Science 6264: 1043-1044), os autores criticaram a postura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que recentemente incorporou o extinto Ministério da Pesca e Aquicultura, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que suspendeu todos os defesos regulamentados em nível federal. De acordo com o próprio MAPA, essa medida foi tomada devido à constatação de que parte substancial dos recursos destinados ao Seguro-Defeso, que visa a manutenção das famílias de pescadores artesanais durante o período de proibição da pesca, estavam sendo pagos indevidamente. Os autores alertam que, naturalmente, trabalhadores que de fato atuam na pesca precisam garantir seu sustento; portanto, a suspensão dos defesos, em conjunto com a suspensão do pagamento do Seguro-Defeso, irá provavelmente reverter-se em um aumento na captura de espécies ameaçadas em um momento crucial de seu ciclo de vida, espécies essas que já estavam desprotegidas devido à revogação da Lista de Espécies Aquáticas Ameaçadas. Essa situação toda é agravada pela total inexistência da estatística pesqueira e outras ferramentas coordenadas de manejo em nível nacional. Ou seja, do jeito que as coisas estão no momento, o País não conseguirá nem ao menos dimensionar o tamanho da perda do patrimônio biológico causado por essas ações.
Mais informações podem ser obtidas diretamente nos artigos abaixo, que podem ser acessados através do "Portal CAPES" ou requisitados aos autores nos e-mails: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. e Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Di Dario, F., C. B. M. Alves, H. Boos, F. L. Frédou, R. P. T. Lessa, M. M. Mincarone, M. A. A. Pinheiro, C. N. M. Polaz, R. E. Reis, L. A. Rocha, F. M. Santana, R. A. Santos, S. B. Santos, M. Vianna, F. Vieira. 2015. A better way forward for Brazil's fisheries. Science 347 (6226): 1079.
Pinheiro, M. A. A., C. B. M. Alves, H. Boos, F. Di Dario, C. A. Figueiredo, F. L. Frédou, R. P. T. Lessa, M. M. Mincarone, C. N. M. Polaz, R. E. Reis, L. A. Rocha, R. A. Santos, S. B. Santos, M. Vianna, F. Vieira. 2015. Conservar a fauna aquática para garantir a produção pesqueira. Ciência e Cultura 67: 56-59.
Pinheiro, H. T., F. Di Dario, L. C. Gerhardinger, M. R. S. de Melo, R. L. de Moura, R. E. Reis, F. Vieira, J. Zuanon, L. A. Rocha. 2015. Brazilian aquatic biodiversity in peril. Science 350 (6224): 1043-1044.