Carta publicada na Science por pesquisadores do NUPEM/UFRJ e PPG-CiAC alerta sobre ação do Ministério do Meio Ambiente que ameaça a biodiversidade do país.

O Brasil detém uma porção considerável da biodiversidade mundial e a preservação de seus ecossistemas naturais por meio de unidades de conservação é vital para prevenir a emergência de novas pandemias (1) e o aquecimento global (2). Mesmo com os esforços feitos a partir da segunda metade do século passado, que elevaram para cerca de 25% do território nacional protegido na forma de unidades de conservação (UCs), alguns biomas estão extremamente ameaçados. A situação é muito crítica na Mata Atlântica, por exemplo, onde todos os parques e reservas juntos protegem somente 3,2% do bioma (3).

 Ao invés de melhorar esse quadro ambiental, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) contribuiu recentemente para agravá-lo. Isto é o que pesquisadores do NUPEM/UFRJ e da UENF afirmam em carta publicada na revista Science em 12 de junho de 2020 (4). A carta indica que o MMA aproveitou-se da grande turbulência causada pelos números recordes de vítimas fatais do COVID-19 para desestabilizar a gestão de parques e reservas importantes de Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro, exonerando seus chefes e subchefes para realocá-los em Núcleos Gestores Integrados (NGIs), via-de-regra distantes de suas unidades de origem. Segundo a carta, um desses NGIs abarcaria importantes UCs da Região Norte Fluminense, destacando as Reservas Biológicas União e Poço das Antas, cruciais para a preservação do mico-leão dourado (Leontopithecus rosalia) (5), e o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que protege as últimas populações do ameaçado rato-goitacá (Cerradomys goytaca) (6) (Figura 1). Essas áreas também sediam pesquisas ecológicas e socioambientais feitas há décadas pelo NUPEM/UFRJ e por outras instituições do país (7).

O Ministério Público Federal tem sido sensível às manifestações da comunidade científica e sociedade civil, solicitando esclarecimentos sobre a criação dos NGIs e recomendando a revogação das exonerações das Chefias das Unidades (8). Até o momento, alguns pedidos foram atendidos pelo ICMBio, mas ainda há incertezas quanto ao futuro da gestão das Reservas Biológicas União e Poço das Antas. A carta também alerta que a Mata Atlântica é uma das áreas com maior risco de emergência de novas doenças causadas por impactos ambientais, como o desmatamento e a caça, e que o fortalecimento técnico e financeiro de seus parques e reservas nunca foi tão estratégico quanto agora para o bem-estar humano e para a prevenção de novas pandemias.

Figura 1 press release

Mico-leão-dourado e o rato-goitacá, dois mamíferos ameaçados e que dependem mais do que nunca de Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro que enfrentam desmantelamento em meio à grande turbulência causada pelos números recordes de vítimas fatais do COVID-19. Fotos © Fábio Khaled.

 

 

Bibliografia citada.

1. T. Allen, K. A. Murray, C. Zambrana-Torrelio, S. S. Morse, C. Rondinini, M. Di Marco, N. Breit, K. J. Olival, P. Daszak, Global hotspots and correlates of emerging zoonotic diseases. Nat. Commun. 8, 1–10 (2017).

  1. F. R. Scarano, P. Ceotto, Brazilian Atlantic forest: impact, vulnerability, and adaptation to climate change. Biodivers. Conserv. 24, 2319–2331 (2015).
  2. U. Oliveira, B. S. Soares-Filho, A. P. Paglia, A. D. Brescovit, C. J. B. de Carvalho, D. P. Silva, D. T. Rezende, F. S. F. Leite, J. A. N. Batista, J. P. P. P. Barbosa, J. R. Stehmann, J. S. Ascher, M. F. de Vasconcelos, P. De Marco, P. Löwenberg-Neto, V. G. Ferro, A. J. Santos, Biodiversity conservation gaps in the Brazilian protected areas. Sci. Rep. 7, 9141 (2017).
  3. P. R. Gonçalves, F. Di Dario, A. C. Petry, R. L. Martins, R. N. Fonseca, M. D. Henry, F. de A. Esteves, C. R. Ruiz-Miranda, L. R. Monteiro, M. T. Nascimento, Brazil undermines parks by relocating staff. Science. 368, 1199–1120 (2020).
  4. M. C. M. Kierulff, C. R. Ruiz-Miranda, P. P. de Oliveira, B. B. Beck, A. Martins, J. M. Dietz, D. M. Rambaldi, A. J. Baker, The Golden lion tamarin Leontopithecus rosalia: A conservation success story. Int. Zoo Yearb. 46, 36–45 (2012).
  5. W. C. Tavares, L. M. Pessôa, P. R. Gonçalves, New species of Cerradomys from coastal sandy plains of southeastern Brazil (Cricetidae: Sigmodontinae). J. Mammal. 92, 645–658 (2011).
  6. F. de A. Esteves, R. L. Martins, E. L. F. Borges, Restingas and Coastal Lagoons in Northern Rio de Janeiro State: Brazilian Long Term Ecological Research - PELD. PELD-RLac (2020), (available at https://peld.macae.ufrj.br/).
  7. MPF, MPF recomenda ao ICMBio que revogue as exonerações nas Unidades de Conservação do Norte Fluminense e Região dos Lagos (2020), (available at https://bit.ly/37xWGEV).



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