Por Dayana Andrade e Felipe Pasini.
Parte dos desafios de um pesquisador é conseguir comunicar os resultados de sua investigação científica para a sociedade. O que dizer então do desafio de estabelecer um diálogo entre aquilo que você estudou e os “mini cidadãos”, as crianças de uma comunidade. Nos últimos seis meses nós tivemos a oportunidade de fazer isso com as pesquisas acadêmicas de mestrado e doutorado que desenvolvemos no PPG-CiAC, levando parte de nossas hipóteses e dados levantados para a prática: implantamos hortas-florestas com as crianças das escolas primárias de uma zona no interior de Portugal.
Dia de plantio dos ninhos: princípios ecológicos experimentados na prática.
Estamos falando do Alentejo Profundo, na fronteira sudeste com a Espanha, uma região que vive de perto a ameaça da desertificação. Apesar de Portugal ser um país muito pequeno em comparação com o Brasil, essa região tem um histórico de sempre ter sido preterida pelos grandes centros urbanos, localizados mais ao centro-norte. Uma zona árida, marcada pelo latifúndio e, por muito tempo, esquecida pelo poder público. Qualquer semelhança não é mera coincidência, somos pátrias irmãs. Além disso, a cultura rural compartilha muitas características mundo a fora e, com os extremos climáticos, a urgência pela regeneração de ecossistemas e por modos de produção mais resilientes acaba por unir ainda mais as realidades em torno de uma agenda compartilhada globalmente.
O Projeto das Hortas-Florestas foi implantado em cinco escolas públicas de Mértola, uma cidade cuja comunidade educativa se uniu para fazer a diferença. Por meio das Atividades de Enriquecimento Escolar aliadas ao conteúdo curricular de “Estudos do Meio”, pudemos desenvolver, junto com crianças entre 7 e 9 anos, competências que extrapolam a habilidade técnica de se fazer uma horta. Foram oferecidas oportunidades de aprendizado na prática de questões relativas à gestão da água, à recuperação da fertilidade dos solos, mas também com relação à valorização de uma alimentação variada, sazonal e livre de agroquímicos. A Horta-Floresta é um laboratório vivo que estimula a observação autônoma da natureza e na qual os alunos plantam, cuidam, colhem e comem o resultado de seu cultivo. A alfabetização ecológica de Fritjof Capra e a agricultura sintrópica de Ernst Götsch constituíram os fundamentos técnico-pedagógicos que deram base e orientação para o desenvolvimento das atividades. Enquanto a primeira oferece o suporte para promover uma educação à serviço do desenvolvimento de comunidades humanas sustentáveis, a segunda alia conhecimentos ecológicos profundos com técnicas capazes de sincronizar a produção agrícola com as dinâmicas sucessionais dos ecossistemas, de modo a criar condições para se trabalhar a regeneração pelo uso. As crianças, portanto, além de cultivar seus alimentos, aprendem a enfrentar e, sobretudo, a reverter os impactos ambientais que infelizmente irão herdar.
Dia de colheita das batatas: resultado de plantio sem agroquímicos e sem irrigação.
Dia do desafio degustativo: de olhos fechados, as crianças tinham que diferenciar pelo sabor diversas folhas e flores comestíveis.
Dia da “Greve pelo Clima”: as crianças participaram do movimento global “School Strike for Climate” liderado pela ativista Greta Thunberg.
Desde que iniciamos esse trabalho, nossas hortas já renderam muita alface, brócolis, couves, batatas, cebolas, grãos e diversas hortaliças da temporada. Mas também fizemos outras importantes colheitas: os alunos adotaram as hortas como seu novo espaço para ao mesmo tempo brincar e aprender; as crianças fizeram parte de manifestações globais pelo clima; criou-se um ambiente de integração e sociabilidade intergeracional, no qual os pais e os funcionários da escola participam das colheitas e fazem refeições compartilhadas; as árvores plantadas junto com as hortas deixam como resultado permanente para as escolas novas áreas de sombreamento e drenagem de calor; foram estimuladas as relações de afeto e de vínculo com o território, o que ajuda a prevenir o êxodo; e, mais recentemente, colhemos o reconhecimento materializado na forma de premiação em 2º lugar em concurso nacional de sustentabilidade.
Vídeo de apresentação de uma das hortas implantadas.
Ficamos muito felizes de poder compartilhar essa notícia aqui no PPG-CiAC porque esse espaço também nos dá a oportunidade de reconhecer a importância que o programa teve em nossas carreiras. Agradecemos a ampla formação instrumental e intelectual que recebemos em nosso percurso acadêmico neste programa, além da convivência enriquecedora tanto em nível institucional quanto nas relações com professores e colegas. Todos ajudaram a pavimentar esse caminho que hoje nos enche de propósito. Um especial agradecimento também à influência determinante de nosso orientador Prof. Fabio Scarano, que tanto defende a construção de pontes entre a academia e a sociedade, e que conduziu e apoiou nossas incursões transdisciplinares. Por fim, agradecemos os parceiros de Portugal – em especial a Câmara Municipal de Mértola e a Escola Profissional Alsud – que, ao se abrirem para novas ideias, demonstram que é possível haver transições agroecológicas também dentro das instituições, e que o investimento em educação rende frutos mais rápido do que se pode imaginar.