Artigo publicado por pesquisadores do NUPEM/UFRJ demonstra os efeitos da duplicação rodoviária sobre espécie de mamífero silvestre em uma das principais rodovias do Brasil
Com a chegada dos feriados de final de ano e férias, muita gente começa a planejar os trajetos e itinerários de suas viagens. Nada melhor do que poder viajar com segurança em rodovias bem estruturadas e duplicadas. Entretanto, um estudo recentemente publicado na revista internacional Transportation Research Part D: Transport and Environment, e conduzido por pesquisadores do NUPEM/UFRJ, mostrou que o processo de duplicação de rodovias, como a BR101 no centro-norte do estado do Rio de Janeiro, causa impactos em mamíferos silvestres, especialmente em ouriços-cacheiros (Coendou spinosus), que figuram entre os mamíferos mais atropelados no trecho estudado. Os ouriços-cacheiros, às vezes também chamados de porcos-espinho, são simpáticos roedores arborícolas de médio porte, com comportamento pacífico, e munidos de pelos modificados em espinhos que são eriçados quando predadores se aproximam do animal. As estimativas do artigo revelam que entre 116 e 511 ouriços-cacheiros podem ter sido mortos por ano num segmento de 40km da BR101 que passou por obras de duplicação.
O estudo foi parte da tese de doutorado de Helio Secco, egresso do PPG-CiAC/UFRJ orientado pelo Prof. Pablo R. Gonçalves, e foi baseado no monitoramento da fauna atropelada realizado entre 2013 e 2018, quando diversos segmentos da BR101 passaram por obras de duplicação. Além de Helio e Pablo, assinam também o estudo Vitor Oliveira da Costa, outro egresso do PPG-CiAC, e Marcello Guerreiro, coordenador de meio ambiente da Arteris Fluminense, concessionária que administra a BR101 no centro-norte do RJ e que subsidiou o monitoramento.
Os autores constataram que a instalação de barreiras divisórias de concreto liso (blocos Jersey) na rodovia impulsionou o aumento dos atropelamentos de ouriços. Mas logo após a conclusão das obras de duplicação e liberação do tráfego nas novas pistas (de duas para quatro pistas), a incidência dos atropelamentos diminuiu. Segundo Helio, “essa variação na taxa de atropelamentos se deve à resposta comportamental da espécie ao perceber o ambiente formado pela rodovia antes e depois da duplicação. Enquanto a rodovia ainda possui apenas duas pistas operando, os animais continuam realizando as travessias pela área de uma margem a outra da rodovia, até que essa área aumenta consideravelmente com a construção das quatro pistas. Depois disso, as pistas mais largas provavelmente passam a ser evitadas pelos ouriços, funcionando assim como uma barreira aos deslocamentos da espécie.” Vitor reforça que “é possível que outras espécies de mamíferos ecologicamente semelhantes aos ouriços exibam respostas similares à duplicação, tornando a adoção de medidas mitigatórias ainda mais urgente”.
O estudo sugere como mitigações, a instalação de cercas com base metálica lisa para evitar entrada de animais na pista, a construção de passagens sobre ou sob a rodovia em trechos dotados de vegetação nativa em contato com suas margens, além da implementação de mecanismos de escape nas barreiras divisórias. Estes mecanismos seriam aberturas a cada 260 metros na barreira de concreto liso, nos trechos não mitigados com passagens de fauna e cercas de proteção, de modo a permitir que os animais que adentrarem as pistas possam escapar mais rapidamente ao concluírem suas travessias de um lado ao outro. Os trechos prioritários para receber as passagens de fauna e cercas de proteção seriam aqueles dotados de vegetação nativa preservada, pois são os que tendem a abrigar maior número de espécies, incluindo o ouriço-cacheiro. Segundo Marcello, “em outros trechos estudados há mais tempo pela concessionária da rodovia diversas passagens superiores e subterrâneas de fauna já foram instaladas na rodovia, incluindo o primeiro viaduto vegetado construído em uma rodovia federal no país. Os monitoramentos da efetividade e custo-benefício destas medidas estão em curso e esperamos que possam direcionar a estratégia de mitigação mais assertiva futuramente para que haja a redução nos atropelamentos de animais silvestres, bem como a redução do isolamento geográfico das populações silvestres.” Pablo complementa que, “a construção de rodovias modernas e ecologicamente amigáveis à biodiversidade só será possível se fortalecermos parcerias entre a universidade e os demais setores da sociedade, e se basearmos nossas decisões em ciência de boa qualidade.”
Acesse aqui o artigo completo